quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Declamação do poema "Poeta" de Alice de Sousa

 

 

 

Poeta

 

Eu era pequena,

Escola primária,

Inocente,

Mas curiosa nas palavras.

Peguei nos lápis,

Aqueles,

Com todas as paletas de cores,

Amarelo-torrado,

Azul-marinho,

Cor…

Com o lápis na mão,

Sem nem esconder a minha confusão,  

Olhei para o lápis, e para mim,

Que eu ainda era da altura de a língua afiar,

Tocar os sinos presos na garganta,

Dizer o que sinto e me espanta:

- Professora.

- Sim.

- Que raio é um lápis cor de pele?

Levei uma reprimenda, uma criança de tão tenra idade

A questionar a autoridade,

E olhava para o lápis,

Olhava para a minha pele,

Olhava fixamente para aquele lápis cor... de pele.

Poeta.

Naquele dia desisti de falar sobre unicórnios

E fazer citações,

Porque ser-se poeta é falar de emoções,

Mas bem podia citar Luís de Camões,

Fernando Pessoa,

Sem dizer um poeta preto.

Pensei então citar Martin Luther King ou Nelson Mandela

Só para ficar bem na tela.

Ignorar o vazio do mundo,

Fazer dos ouvidos mudos,

Porque preferem um poema com o sol no canto do papel,

As nuvens pintadas a azul,

Sem a dor no fundo.

Falar do que incomoda?

Andar a afiar a língua,

O que é que isso importa?

 

Porque naquele dia fizeram de mim uma

Poeta cor de pele,

De lápis cinza aguçado acastanhado,

No nevoeiro dos mares

Dantes e sempre navegados,

A minha língua é o lápis

Onde escrevo a cor dos meus sentimentos,

Quem vai perder tempo a escrever versos

de amor

Com estes tempos, estas tempestades,

estes sismos, ismos

E eu sei, podia ser menos uma poeta a

falar sobre racismo

Mas preferiam o quê?

Que em vez do lápis a carvão, pegasse

uma arma na mão?

Que caísse em tantas outras estatísticas,

noticiários?

Que me escondesse por detrás dos

armários?

Que nunca tivesse chegado a terminar o

secundário?

 

"Falas tão bem português", fecho os

olhos a engolir todos os clichés.

"Mas não ouves kizomba, ah, claro que

sabes dançar!", dizem enquanto meto os Arctic Monkeys a dar.

E já se sabe, quanto mais talento, mais

se tolera a cor, porque a Beyonce pode

ser preta afinal de contas o que importa

é o interior.

 

Ouço as palavras a fazer ricochete,

Num corpo em bala,

Eu vejo,

De sol a sol,

Mantemo-nos fortes,

Que as mães têm calos de pensar,

Os pais as mãos a esbranquiçar.

 

Fazemo-nos de fortes,

Que mais poderíamos ser?

Numa sociedade de moldes

A fingir entender,

A rir no eco a seguir,

A pensar que Black Lifes Matter é mais um post pra curtir.

 

Mas Muxima Uamiê está sofrendo,

Respira,

Mãos ao alto, levanta a poesia,

Esta poeta cor de pele,

já pintou a carta de alforria.

 

 Alice Neto de Sousa

 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Leitura expressiva do 2º trimestre (poemas do manual Diálogos 9, pp. 236-266, PE)

«E tudo era possível» de Ruy Belo


«Porque» de Sophia





«Quando a harmonia chega» de Carlos de Oliveira

 


«Uma pequenina luz» de Jorge de Sena




quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

LEITURA EXPRESSIVA 2015-2016 (9º ano)

A fim de melhorarmos a forma como lemos é bom treinar a leitura em voz alta de forma regular e escutar boas leituras expressivas. Por isso aqui ficam ecos de um concurso organizado pela Fundação Gulbenkian - DÁ VOZ À LETRA - que incentiva que se trabalhe a leitura expressiva. Ora vejam o trabalho destes vossos colegas na página inicial do sítio deste projeto - clicam no separador 'Edição anterior' onde podem ouvir várias leituras expressivas que vos podem inspirar. Escolhi uma delas por ser a leitura de um poema sobejamente conhecido e onde a vossa colega consegue transpor para a forma como lê o conteúdo do poema, o cansaço da jovem referida no poema está na voz da leitora:






 Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.
Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu a sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce o passeio,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

 Poesias Completas (1956-1967), António Gedeão

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

LEITURA EXPRESSIVA 2014-2015 (9º ano)

No 1º trimestre os alunos do 9º ano tiveram de preparar a leitura expressiva de um soneto retirado da coletânea de poemas organizada por Inês Pupo. Receberam 10 propostas de sonetos, mas houve uma preferência nítida pelo soneto «Ouvir Estrelas» de Olavo Bilac que deu origem à seguinte música referida por angel2319 no trabalho que teve de redigir sobre o poeta e sobre o conteúdo do poema:



Na internet podemos encontrar várias leituras expressivas e declamações que nos podem ajudar a preparar este trabalho oral. Aqui ficam três exemplos do mesmo poema de Olavo Bilac (NB: estes exemplos são declamações e não leituras expressivas - aos alunos foi pedido que preparassem leituras expressivas, apesar disso, estes trabalhos não deixam de ser exemplos inspiradores para realizar boas leituras expressivas):
 


Apresentam-se a seguir as melhores leituras realizadas no primeiro trimestre em sala de aula:
  • OUVIR ESTRELAS de Olavo Bilac
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas."

(Poesias, Via-Láctea, 1888.)

 
(leitura expressiva de angel2319)


  • SONHO ORIENTAL de Antero de Quental


Sonho-me às vezes rei, n'alguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente,
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha...

O aroma da magnólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente...
Lambe a orla dos bosques, vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha...

E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto n'um cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,

Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descansas debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.

Antero de Quental, in "Sonetos"


 (leitura expressiva de laetitia)

  • OS BOIS de Conde de Monsaraz

Na doce paz da tarde que declina
após a faina sob um sol ardente,
vão os bois reconhendo lentamente
pelas vias desertas da campina.

Atravessam depois a cristalina
ribeira e ao flébil som de água corrente
bebem sedentos, demoradamente,
numa sensual beleza que os domina.

Mas quando, fartos d' água, erguendo as frontes,
os beiços escorrendo, olham os montes
e ouvem cantar ao alto os rouxinois,

eu fico-me a cismar, calado e triste,
que um mundo de impressões, que uma alma existe
nos olhos enigmáticos dos bois!

Conde de Monsaraz (António de Macedo Papança) (1852-1913), Poemas Portugueses, p. 886. O poema foi originalmente publicado no livro Musa Alentejana (1908).



 (leitura expressiva de catarina rebelo)

  • A SELVAGEM de Gomes Leal

Às vezes, como os grandes fantasistas,
Sinto o desejo intenso das viagens…
E ir sozinho habitar entre os selvagens,
Como num ermo os ásperos trapistas.

As grandes, vastas, límpidas paisagens,
Que sabem ver os imortais artistas…
Teriam novos tons, novas imagens,
Longe do mundo avaro e as suas vistas!

Com uma virgem — flor dessas montanhas —
Entre os mil sons das árvores estranhas,
Dos coqueiros, bambús … fôra feliz!…

Dormiria em seus braços nus, lustrosos,
E ouviria, entre uns beijos voluptuosos,
— Tilintar-lhe as argolas do nariz.


in Claridades do Sul, 2ª edição (revista e aumentada), Lisboa, 1901.

 (leitura expressiva de copinel)